quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Aquele Dia Em Que Outra Vida Acabou - Parte I

A rua é muito estreia, mal dá para o carro passar. A hora avançada a faz parecer ainda menor, com as sombras se avolumando por sobre o asfalto e o comprimindo, até restar apenas um filete de cinza mal iluminado em seu centro. O carro não passa de 20 km por hora e a demora para sair desse cenário claustrofóbico a deixa impaciente.

- Não dá pra ir mais rápido? - Ela pergunta para ele, que dirige o automóvel.

- Até dá, mas eu prefiro garantir que não vou bater em nada, nem arranhar o meu carro!

Ela se remexe no banco do carona, se sente pressionada pelas paredes das casas, que parecem tentar esmagar o veículo. Melhor se distrair, voltar a atenção pra outra coisa, Ela pensa. Se ao menos desse pra enxergar o fim dessa rua, mas só o faixo iluminado pelos faróis é visível. Ela está pensando sobre isso quando outros dois faróis se acendem, bloqueando a passagem logo a frente.

- Cuidado! - Ela grita para Ele, que freia.

Do carro que esteve parado ali o tempo todo apenas esperando por Eles, ou quem mais pudesse cair na armadilha, descem dois homens armados com pistolas, um por cada porta da frente. Ela gela no banco. O cinto, antes uma segurança, perece afundá-la de encontro ao encosto. O ar entala em sua traquéia, antes de alcançar os pulmões. Ele solta o volante e segura a mão Dela com força, o que em qualquer outra situação, a faria sentir dor, mas naquela, lhe transmitiu segurança, pelo menos durante os segundos que os assaltantes levaram para chegar até o carro do casal. Um veio pelo lado direito, o outro pelo o esquerdo, cercando os dois. Do lado Dela, o homem aponta sua arma contra o vidro e com gestos, a manda destrancar a porta, mas Ela não precisa fazê-lo. Ele, que também está sendo abordado por um bandido já o fez. O homem que a cerca então abre a porta com força, batendo-a na parede de uma casa. O assaltante, que já conhecia o tamanho da rua, havia se postado mais para trás da porta, de forma que ela não bloqueasse sua passagem e lhe permitisse ficar frente a frente com sua vítima.

- Desse do carro, piranha! Perdeu essa porra! - ele grita.

Ela demora a compreender o significado das palavras, porque de repente, o mundo parece estar se movendo um pouco mais devagar. Ao perceber sua demora, ele a puxa pelo braço para fora do carro e a força do puxão pressiona seu pescoço contra o cinto de segurança, machucando-a.

- Espera, deixa eu soltar o cinto!

Ela se vira para o outro lado, aquele em que Ele deveria estar sentado, mas o outro bandido já o puxara pra fora e estava entrando no carro. Ela se desespera pra tirar o cinto, para acabar logo com aquilo, mas suas mãos já não a obedecem e se emaranham uma na outra na tentativa de apertar o botão que destrava o cinto de segurança. O outro assaltante que a essa altura já está dentro do veículo, empurra suas mãos pra longe e ele mesmo aperta o botão. Ao se ver livre, Ela se vira prontamente em direção à saída e se levanta de forma brusca, na sede de escapar do terror que a aflige e talvez, tenha sido esse levantar brusco que tenha assustado o bandido que a aguardava na porta e o feito atirar à queima roupa. Ela não viu, apenas ouviu o estampido e sentiu uma espécie de beliscão na barriga, na altura do estômago. O assaltante, que ainda segura seu braço direito, lhe dá um leve puxão para o lado, fazendo-a cair com as costas no asfalto, no pequeno vão entre o carro e a parede da casa mais próxima. Ela ouve a porta do carro bater e a partida do veículo, mas os sons parecem distantes. Percebe gritos igualmente distantes e demora a notar que são os gritos Dele.

Meu Deus, eu levei um tiro! Ela pensa.

Tudo fica repentinamente claro, assim como a dor no alto da sua barriga, que Ela tenta sufocar com uma das mão, mas no caminho, encontra apenas sua vida que se esvai vermelha pelas laterais do seu corpo.

As mãos Dele, aquelas que tanto a tocaram com carinho, agora a seguram com força, num gesto de desespero. Seus braços a envolvem num abraço que a aproxima do rosto Dele, mas sua cabeça pende um pouco pra trás e tudo que Ela vê, são as estrelas. Ele balbucia algumas coisas que Ela não entende, mas o desespero na voz a atinge com mais força que a dor no abdomen e Ela tenta levar sua mão até o rosto Dele, para acalmá-lo, mas já não tem forças.

Será que eu vou morrer aqui?

E em meio a dor e medo, tudo que consegue pensar são naqueles toques carinhosos das mãos Dele, na voz que sempre embalava as suas conversas e que, seja como for, vai sentir muita falta de tudo isso.


Ela

Um comentário:

  1. Uau...que história intensa...
    Muito bom dona Mari...gostei de ver que não era só pose de intelectual não...hauhauha
    agora fiquei curiosa com continuação...
    beijos!

    ResponderExcluir