quarta-feira, 7 de abril de 2010

6/04/2010. Caos no Rio? Caos no mundo.


Chuva intensa no Rio de Janeiro, ruas alagadas, tráfego parado, serviços, aulas e trabalhos suspensos, desabamentos, lixo, ruas completamente vazias, mortos, caos.

Esse foi o cenário de ontem, terça-feira, dia 6 de abril de 2010, o dia em que a cidade maravilhosa parou e assistiu horas e mais horas de noticiários sobre destruição, isso quando não estava no meio dela e é nesse cenário caótico que se vê florescer grande parte da generosidade e da solidariedade humana. Em comunidades mais carentes onde os desabamentos se fizeram freqüentes, a população se juntou para dar abrigo, comida, resgatar soterrados, mesmo com pouquíssimos recursos.

O curioso que pude perceber é que esse tipo de comportamento não foi uma regra em lugares onde o risco de morte não estava em jogo, como se a solidariedade não fosse importante em todos os momentos do dia e a todos que precisarem de algum tipo de socorro. Digo isso por que um momento simples do meu dia a dia, algo que faz parte da rotina de milhares de brasileiros, ontem mais do que nunca, revelou-me o quanto somos mesquinhos, individualistas, egocêntricos e, se é que a palavra “sociedade” pode ser aplicada a nossa forma de organização, o quanto somos uma sociedade fraca, doente, baseada em fundamentos vazios, embora hajam algumas boas teorias do que deveríamos ser.


Ontem, às 6:15h da manhã eu estava num ponto de ônibus lotado, debaixo de chuva, esperando o bendito 607 que me levaria na hora para o meu estágio. Não foi bem assim que aconteceu, três deles passaram direto, abarrotados de gente, sem espaço nenhum para que outras entrassem. Foi então que o 4º ônibus da linha passou e foi obrigado a parar por causa do sinal fechado e quem estava do lado de fora logo percebeu que havia um grande espaço vazio no fundo do veículo, embora várias pessoas insistissem em se apinhar na frente dele, impedindo a passagem dos demais. Prontamente, todos na rua começaram a gritar para que as pessoas chegassem para o fundo do ônibus, todos provavelmente muito atrasados depois de perder outro três e querendo logo sair da chuva e seguir para o trabalho.

Logo depois da roleta uma mulher que se encontrava sentada em frente a trocadora bradava para quem quisesse ouvir que o motorista era um corno por ter parado no ponto e deixado mais gente entrar pra espremer quem já se encontrava no interior do veículo. Dizia que era falta de bom senso dele, se tantos outros ônibus passaram direto, ele deveria fazer o mesmo, porque não? Óbvio que esses comentários geraram grande tumulto, uns falavam que era fácil falar estando sentada confortavelmente, outros que não eram obrigados a agüentar esse aperto num transporte coletivo, alguns apenas soltavam palavrões a esmo e, enquanto a chuva provocava o caos deslizando encostas, desabando casas e alagando residências, o egoísmo instaurava uma batalha dentro de um ônibus.


E assim foi durante 1h, discussões infindáveis, xingamentos, gritos e um outro episódio que merece destaque. Um homem em pé abria janelas a sua frente sem dar satisfações a quem se encontrava sentado embaixo delas e essas pessoas fechavam de novo as janelas para não se molharem, sem se importarem com o calor que imperava em um veículo entulhado de gente e completamente fechado. Em algum momento da discussão e troca de palavrões entre os envolvidos, o homem de pé falou:

- Mó calor infernal dentro do ônibus e vocês não estão nem aí.

- Lógico! Eu por acaso sou obrigado a me molhar por sua causa? - respondeu um homem sentado.

- E eu sou obrigado a sentir calor por causa de você? – revidou o de pé.

Bom, eu não sei vocês, mas nesse momento me deprimi. É sem dúvida uma bela “sociedade” a que construímos, na qual todos nos reconhecemos como estranhos e não como iguais, queremos nos dar sempre bem e somos incapazes de ceder, incapazes de doar, de sermos generosos no nosso dia a dia. Somos um enorme grupo de egoístas e individualistas fingindo que convivemos uns com os outros e que nos esforçamos para sermos bons. Milhares de anos de evolução e chegamos a isso, a falta de carinho e compreensão com o próximo, a ausência de compaixão e a supervalorização do próprio nariz.
E é incrível como em diferentes escalas, somos todos assim, ou melhor, nos tornamos todos assim, e a maioria não vê sequer isso como um problema e não tem a menor ambição de que algo mude. Ontem me questionei muito e quase afirmei a impossibilidade de mudança, mas hoje é um novo dia e como este, outros virão e quem sabe qual será aquele em que vai ser lançada a primeira semente a levar a humanidade para um caminho melhor?

6 de abril de 2010, terça-feira, chuva intensa no Rio de Janeiro, ruas alagadas, tráfego parado, serviços, aulas e trabalhos suspensos, desabamentos, lixo, ruas completamente vazias, mortos, caos.

Não.

6 de abril de 2010, terça-feira, egoísmo intenso no mundo, ausência de compaixão, supervalorização do próprio nariz, incapacidade de doar, de generosidade no dia a dia, de nos reconhecermos como iguais. Mentalidade egocêntrica, uns são mais importantes, merecem mais que outros e essa é a sociedade que construímos e aceitamos como normal.
Isso sim é o caos.

Ela

7 comentários:

  1. Pois é...
    É triste abrirmos os olhos todos os dias na cama de manhã e buscarmos uma disposição pra encarar esse mundo que foi sempre tão selvagem, idependente da época...
    O caos é apenas um catalisador, a pedra que esmigalha os pilares de cristal da "civilização" moderna e nos mostra sempre a velha faceta humana, com todos os seus piores defeitos, idependente da roupa que as pessoas vistam ou do emprego que possuam.
    A cada dia as pessoas estão mais pressionadas, estressadas...e como consequência vem o único método de defesa conhecido: a indiferença, o egoísmo e a violência.
    Mas, como somos humanos e tendemos a generalizar tudo, deixamos de perceber tb q se você ou eu, ou qualquer outra pessoa também enxerga e sente uma desconforto com essa faceta brutal da humanidade, é porque ainda há uma semente de esperança pro amanhã...quem sabe?
    ótimo texto.
    beijos!

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  2. Excelente texto, Mari.
    Gostaria de conseguir imaginar um mundo sem egoísmo ...

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  3. Mari, faço minhas suas belas palavras. E o caos causado pelo fenômeno natural "chuva" também é resultado detse egoísmo. Egoísmo de anos e anos dos muitos governantes que passaram pelas prefeituras fluminenses e pelo governo do estado. Pra que eu vou ficar mal falado entre as pessoas de uma comunidade instalada em local de risco se eu posso ganhar muits votos ao dar o tijolo e o cimento pra elas construírem a casa que será também seu futuro túmulo?
    Não percamos a esperança, Mari. Amor ao próximo ainda que tardio...

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  4. Realmente casos assim são tristes, mas existe o outro lado tb. Ontem vi uma garota comprando um par d havaianas pra um mendigo q estava descalço. Bateu um vento frio e ela se perguntou "como ele suporta?" e perguntou a ele se ele tinha algum calçado. E a história ñ parou por aí. O senhor ainda resistiu à oferta dela pq, segundo ele, já tinha feito mta coisa errada na vida. Ele queria sofrer pelo q quer q tenha feito. Se essas duas pessoas ñ mostram q há esperança, ñ sei o q mostraria.

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  5. egoísta todos nós somos em alguns momentos. o grande problema, a meu ver, é justamente reconhecer essas atitudes como naturais, e não como uma falha. é, como vc falou, não ter a menor ambição de melhorar pq, afinal de contas, não tem nada de errado, não é mesmo? não enxergar que, infelizmente é esse egoísmo a causa dos problemas que estão nos destruindo hoje.
    como o anderson mesmo falou, essa tragédia do dia 6 nada mais foi do que consequência da essência egoísta do ser humano. é dificil pensar que o inocente papelzinho de bala que caiu na rua outro dia também é responsável pelas enchentes. principalmente quando elas não te afetam.
    e como se não bastasse os anos de descaso do poder público, ainda temos que ouvir as declarações infelizes de um governador que acha muito coerente pôr a culpa das centenas de mortes nos próprios mortos. triste mesmo é saber que tem gente que ainda compra esse discurso. "é uma irresponsabilidade! constrói em área irregular, dá nisso..." sim, mas porque essas pessoas estão em áreas irregulares? o que lhes foi oferecido? será que passa pela cabeça de alguém que os mais de 200 mortos no estado escolheram construir suas casas em áreas irregulares por algum estranho espírito aventureiro? é fácil tachar de loucos suicidas os moradores desesperados correndo para salvar seus pertences no morro desabando. claro que eu concordo que a vida vale muito mais do que uma geladeira, mas quem sou eu pra julgar? eu nunca perdi tudo. sequer conquistei a duras penas. o pior é, no fundo, saber que semana que vem talvez as manchetes já não falem mais de enchente e aí os tantos desabrigados serão imediatamente esquecidos, esperando por moradias prometidas pelo governo que talvez nunca aconteçam. da mesma forma, milhares de pessoas continuarão a construir seus lares em áreas irregulares - não por irresponsabilidade, mas por falta de escolha - até o próximo deslizamento.

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  6. Gente que se ajuda sem querer nada em troca, apenas pela necessidade urgente que sente de dar assistência a alguém que está precisando, isso há, apesar de sermos ensinados desde pequenos a "tomar conta da nossa vida" apenas. Sempre existem as excessões e ainda bem, caso contrário, nada disso faria sentido.
    E é maravilhoso ver tantas pessoas que, só por pensarem dessa forma, fazem crescer a esperança. Um dia será melhor, tenho certeza. Um dia solidariedade será a regra, mesmo que já não se fale mais em vítimas como as da chuva no Rio, há duas semanas atrás. Ou será que foi semana passada?

    Ela

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  7. Tinha escrito um testamento para demonstrar oq penso sobre o assunto, mas acho que um sentimento, ou melhor a falta dele, resume todo o sentido e excelência do seu texto: solidariedade. Sem adentrar no mérito religioso, que foi criticado em outro texto, pelo que vi, a solidariedade aqui é entendida na nossa ação, enquanto sujeitos sociais, na modificação ou alteração da realidade do próximo. Logo, rompendo com o pensamento socialmente aceito e, colocando em prática o pensamento crítico e contestador contra políticos que, neste caso, em específico, se beneficiam das chuvas que assolam nosso Estado com programas assistencialistas, em ano eleitoral, para se elegerem por mais 4 anos. Como pode um politico que há 16 anos governa Niterói não saber que o morro do Bumba era, na verdade, um lixão? Quantas pessoas mais terão que morrer, para nós de fato nos mobilizarmos? Me sinto, muitas vezes, envergonhado pelo meu inatismo enquanto cidadão carioca e, mais ainda enaquanto futuro profissional de Geografia. Fica a dica para escrever um texto sobre política nacional, no âmbito de um ano eleitoral...
    Parabéns pelo texto, de altíssimo nível! É difícil eu escrever em algum blog, somente o leio, mas este tema (egoísmo) me suscitou esta vontade. Portanto, continue com esta iniciativa.

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