terça-feira, 13 de abril de 2010

Duas Histórias, Uma Realidade


CORREIO DO BRASIL
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25/3/2010 11:14:32
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Fiscalização multa rede de lojas Marisa por trabalho escravo
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Por Redação - de São Paulo
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A costureira ganha R$ 2 por peça!
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Uma inspeção de rotina de fiscais do Ministério do Trabalho descobriu, na capital paulista, nesta quinta-feira, trabalhadores bolivianos em condições análogas à escravidão em oficinas de costura contratadas pela rede de lojas Marisa. Cada trabalhador recebe R$ 2 por uma peça que será vendida a R$ 49,99 pela empresa. (...) O rastreamento da cadeia produtiva do setor de confecções levou a SRTE a encontrar trabalhadores, em geral bolivianos, sem registro, com salários de R$ 202 a R$ 247, menos da metade do mínimo brasileiro (R$ 510) e menos de um terço do piso da categoria. As condições de trabalho, saúde e segurança também eram inadequadas. De acordo com as investigações dos fiscais do trabalho, dos R$ 49,99 que um cliente da rede de lojas Marisa pague por uma peça, R$ 2 vão para o trabalhador (4%), R$ 2 para o dono da oficina (4%), R$ 17 para os intermediários (34%) e R$ 28,99 (58%) ficam com a Marisa. (...)

Ainda tem gente que acredita que o lucro é apenas uma relação entre custos e venda. A notícia acima é um exemplo claro da subordinação do trabalho (trabalhador imigrante sem quaisquer direitos) ao capital (Marisa) e é dessa relação, estruturalmente desigual, que resulta o grande estandarte de nossa sociedade, o lucro.

Não se trata aqui de fazer uma campanha contra as lojas Marisa. Esta situação não é exclusividade deste grupo empresarial, a precarização das relações de trabalho é algo corrente nos dias de hoje. Quem não conhece alguém que trabalha sem carteira assinada no regime de “associados” (principalmente advogados), que trabalha10, 11h por dia? Ou um professor que dá aula de 5, 6 escolas com 60, 70 horas por semana?

Guardadas as devidas proporções, a grande maioria das pessoas tem boa parte dos frutos do seu trabalho colhidos por terceiros e a cada dia que passa, somos impelidos a trabalhar mais, ganhar menos e levantar as mãos para o céu e agradecer por ter um “bom” emprego. O que torna essa relação mais complexa é que existem diferentes níveis de subordinação capital/trabalho. O nível de remuneração dada ao trabalhador é diretamente proporcional aos lucros gerados por ele, ou seja, um arquiteto que vira noites fazendo um projeto de um edifício de luxo que irá gerar muitos milhões para a construtora irá ganhar muito mais do que um pedreiro que é apenas um executor de funções facilmente substituído.

Essa divisão social do trabalho (extremamente complexa) é a semente de uma divisão segregacionista do espaço urbano. Uma sociedade estruturalmente desigual gera espaços a sua imagem e semelhança. As melhores áreas são reservadas a um pequeno grupo de pessoas que pode pagar por elas e o Estado, em todas as esferas de governança, segue com a função de provedor de infra-estrutura a fim de perpetuar a valorização da área. Para a grande massa de menos favorecidos, resta espaços degradados, mal servidos de aparelhos públicos e muitas vezes carentes de dignidade.

Acredito que é na complexidade da divisão social do trabalho, que diferencia aqueles que detem o capital daqueles que interessam ao capital e do grande número de marginais ignorados pelo mesmo, que reside a dificuldade de nos reconhecer enquanto um mesmo grupo, criarmos uma identidade de trabalhadores e, por fim (aonde quero chegar), reconhecer que a tragédia do Morro do Bumba é consequência dessa divisão social do trabalho da qual fazemos parte.


Geralmente, diante de tal acontecimento, somos quase que automaticamente impelidos a culpar sucessivos governos por sua irresponsabilidade e descaso. Refletindo com maior rigor crítico penso que é totalmente compreensível tais “atitudes governamentais”, visto que o Estado não é regido (de forma alguma) por valores de igualdade, justiça e cidadania. Ele é movido por pressões sociais, sendo uma espécie de balança pendendo sempre para o lado onde a força é exercida com maior vigor. Então quem é o culpado? A culpa está na estrutura da nossa sociedade que está por traz de governos, relações sociais e de trabalho. Parece fácil colocar a culpa em algo quase que metafísico como a “sociedade”, mas quem constrói a “sociedade”? Somos nós.

Nós que assistimos o crescimento das favelas, da violência e da pobreza e somos incapazes de nos colocar no lugar daqueles que vivem com dificuldades. Nós, que somos atores coadjuvantes na cena pública desse país e acreditamos que por uma ordem divina as coisas podem melhorar.

Sendo assim, pensar na tragédia do Morro do Bumba é enxergar além das desocupações de áreas de risco. É urgente pensarmos que tipo de sociedade queremos. É essa em que pessoas são exploradas ao limite e tem como recompensa o “justo” descanso em casas construídas em cima de lixões?


Ele

2 comentários:

  1. Muito boa a postagem. A idéia de resolução do problema realmente passou do superficial que é simplesmente a reocupação de áreas de risco.
    Colocar a culpa na sociedade não é pensar metafisicamente, mas olhar um pouco mais profundo. Ótimo blog! =)

    raissachristini.blogspot.com

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