
Chuva intensa no Rio de Janeiro, ruas alagadas, tráfego parado, serviços, aulas e trabalhos suspensos, desabamentos, lixo, ruas completamente vazias, mortos, caos.
Esse foi o cenário de ontem, terça-feira, dia 6 de abril de 2010, o dia em que a cidade maravilhosa parou e assistiu horas e mais horas de noticiários sobre destruição, isso quando não estava no meio dela e é nesse cenário caótico que se vê florescer grande parte da generosidade e da solidariedade humana. Em comunidades mais carentes onde os desabamentos se fizeram freqüentes, a população se juntou para dar abrigo, comida, resgatar soterrados, mesmo com pouquíssimos recursos.
O curioso que pude perceber é que esse tipo de comportamento não foi uma regra em lugares onde o risco de morte não estava em jogo, como se a solidariedade não fosse importante em todos os momentos do dia e a todos que precisarem de algum tipo de socorro. Digo isso por que um momento simples do meu dia a dia, algo que faz parte da rotina de milhares de brasileiros, ontem mais do que nunca, revelou-me o quanto somos mesquinhos, individualistas, egocêntricos e, se é que a palavra “sociedade” pode ser aplicada a nossa forma de organização, o quanto somos uma sociedade fraca, doente, baseada em fundamentos vazios, embora hajam algumas boas teorias do que deveríamos ser.

Ontem, às 6:15h da manhã eu estava num ponto de ônibus lotado, debaixo de chuva, esperando o bendito 607 que me levaria na hora para o meu estágio. Não foi bem assim que aconteceu, três deles passaram direto, abarrotados de gente, sem espaço nenhum para que outras entrassem. Foi então que o 4º ônibus da linha passou e foi obrigado a parar por causa do sinal fechado e quem estava do lado de fora logo percebeu que havia um grande espaço vazio no fundo do veículo, embora várias pessoas insistissem em se apinhar na frente dele, impedindo a passagem dos demais. Prontamente, todos na rua começaram a gritar para que as pessoas chegassem para o fundo do ônibus, todos provavelmente muito atrasados depois de perder outro três e querendo logo sair da chuva e seguir para o trabalho.
Logo depois da roleta uma mulher que se encontrava sentada em frente a trocadora bradava para quem quisesse ouvir que o motorista era um corno por ter parado no ponto e deixado mais gente entrar pra espremer quem já se encontrava no interior do veículo. Dizia que era falta de bom senso dele, se tantos outros ônibus passaram direto, ele deveria fazer o mesmo, porque não? Óbvio que esses comentários geraram grande tumulto, uns falavam que era fácil falar estando sentada confortavelmente, outros que não eram obrigados a agüentar esse aperto num transporte coletivo, alguns apenas soltavam palavrões a esmo e, enquanto a chuva provocava o caos deslizando encostas, desabando casas e alagando residências, o egoísmo instaurava uma batalha dentro de um ônibus.

E assim foi durante 1h, discussões infindáveis, xingamentos, gritos e um outro episódio que merece destaque. Um homem em pé abria janelas a sua frente sem dar satisfações a quem se encontrava sentado embaixo delas e essas pessoas fechavam de novo as janelas para não se molharem, sem se importarem com o calor que imperava em um veículo entulhado de gente e completamente fechado. Em algum momento da discussão e troca de palavrões entre os envolvidos, o homem de pé falou:
- Mó calor infernal dentro do ônibus e vocês não estão nem aí.
- Lógico! Eu por acaso sou obrigado a me molhar por sua causa? - respondeu um homem sentado.
- E eu sou obrigado a sentir calor por causa de você? – revidou o de pé.
Bom, eu não sei vocês, mas nesse momento me deprimi. É sem dúvida uma bela “sociedade” a que construímos, na qual todos nos reconhecemos como estranhos e não como iguais, queremos nos dar sempre bem e somos incapazes de ceder, incapazes de doar, de sermos generosos no nosso dia a dia. Somos um enorme grupo de egoístas e individualistas fingindo que convivemos uns com os outros e que nos esforçamos para sermos bons. Milhares de anos de evolução e chegamos a isso, a falta de carinho e compreensão com o próximo, a ausência de compaixão e a supervalorização do próprio nariz.
E é incrível como em diferentes escalas, somos todos assim, ou melhor, nos tornamos todos assim, e a maioria não vê sequer isso como um problema e não tem a menor ambição de que algo mude. Ontem me questionei muito e quase afirmei a impossibilidade de mudança, mas hoje é um novo dia e como este, outros virão e quem sabe qual será aquele em que vai ser lançada a primeira semente a levar a humanidade para um caminho melhor?
6 de abril de 2010, terça-feira, chuva intensa no Rio de Janeiro, ruas alagadas, tráfego parado, serviços, aulas e trabalhos suspensos, desabamentos, lixo, ruas completamente vazias, mortos, caos.
Não.
6 de abril de 2010, terça-feira, egoísmo intenso no mundo, ausência de compaixão, supervalorização do próprio nariz, incapacidade de doar, de generosidade no dia a dia, de nos reconhecermos como iguais. Mentalidade egocêntrica, uns são mais importantes, merecem mais que outros e essa é a sociedade que construímos e aceitamos como normal.
Isso sim é o caos.
Ela