terça-feira, 27 de julho de 2010

Os indispensáveis

Hoje era pra ser um dia como qualquer outro. Exceto por ser o dia do nascimento do João Vitor e do aniversário de 22 anos da Luísa. Mas às 13h ele se tornou um dia muito diferente para uma colega de trabalho, e de certa forma, para mim também.


Estavam os quatro almoçando e conversando, como costumava ser, mas o assunto mudou a partir de um comentário da Stephany:

- Gente, eu tenho uma amiga que lê mão e nossa... ela leu a minha e disse que uma coisa muito ruim vai acontecer quando eu tiver 50 anos... e agora não consigo parar de pensar nisso. Será que vou ter uma doença grave? Será que alguém próximo vai morrer?

Rafael tentou tranqüilizá-la:

- Steph, muita coisa ruim vai acontecer até fazermos 50 anos e talvez isso aí da sua amiga nem seja tão ruim. Talvez ela esteja falando da morte da sua mãe, mas pô... perder a mãe com 50 anos é tranqüilo, ela já vai estar bem velhinha...

- Ou então você pode ter câncer, ou seu filho morrer. – disse Felipe entre risos.

- Ai, credo, garoto! Mal nasceu e você já quer matar meu filho!

- Não pô, tô só sendo realista.

- Essa é a maior dor que uma pessoa pode sentir!

- Ah, você pensa isso porque nunca levou um chute no saco. – disse Rafael entre suas próprias risadas e as de Felipe. E continuou:

- Não, gente... falando sério agora. Esse negócio de lei natural das coisas, isso não existe. Pessoas morrem independente da idade.

- Claro que existe! Morrer antes de ficar velho acontece, é uma fatalidade, mas se não houver nenhum problema no percurso, ninguém vai ver o filho ou o neto morrerem. – se pronunciou Mariana.

- Mas aí é uma situação ideal. Ninguém sabe quando vai morrer, pode acontecer a qualquer momento, o que é normal. – rebateu Rafael.

- Às vezes, o pessoal da faculdade ficava brincando, se perguntando quem de nós seria o primeiro a morrer, porque sempre tem alguém que morre assim, quando a gente é jovem. Mas a faculdade passou e ninguém morreu, graças a Deus. - comentou Stephany

- É, as vezes eu também penso nisso... como quando minha mãe me mostra fotos de amigos das antigas e vira e mexe tem alguém que ela fala “esse aí morreu novinho, num acidente qualquer”. Aconteceu com o primeiro namorado dela quando ele tinha 19 anos... – lembrou Mariana.

Rafael não se conteve:

- Cara, vocês já pararam pra pensar que um de nós vai enterrar os outros três? A menos que todo mundo morra junto num acidente, é claro.

- É, provavelmente esse alguém vai ser a Mari, que é a mais novinha. – disse Felipe

- Cara, já disse que isso não tem nada a ver... se uma pessoa tá viva...

Mas o que Rafael ia dizer em seguida foi interrompido pelo toque do celular de Stephany.

- Alô? Que? QUE? Meu Deus, e a gente falando disso!

Ela disse tudo muito rápido, enquanto seus olhos se enchiam d’água e em seguida se levantou da mesa e correu para a saída do restaurante, sem dizer mais nada.

Os outros três se olharam preocupados.

- Que será que aconteceu? – perguntou Mariana.

- Não sei, mas boa coisa não foi... – disse Rafael.

- Cara, será que aconteceu alguma coisa muito grave?

- Tipo alguém morreu? – completou Felipe pronunciando o que ninguém ousava pensar.

- Eu vou lá falar com ela.

Rafael saiu do restaurante atrás de Stephany, mas minutos depois voltou dizendo que ela já não estava mais por perto e que talvez tivesse isso embora. Os três a procuraram ainda na recepção, ligaram para o seu celular, mas não obtiveram resposta. Decidiram voltar para a sala, ver se ela estava por lá, mas Stephany já havia saído sem que ninguém percebesse. Para a coordenadora, eles explicaram o ocorrido e ela, preocupada, ligou para a moça.

Stephany respondeu, aos prantos, que uma amiga tinha falecido num acidente de carro e que ela estava num táxi, indo encontra-se com outras pessoas, talvez parentes da jovem vítima.


E esse foi de longe, o episódio mais estranho relacionado a morte, que já presenciei na minha vida. Fui embora com minhas pernas tremendo e o coração apertado. Podíamos ter falado sobre qualquer coisa naquele almoço, mas de repente, falamos sobre morte e de repente, uma pessoa morreu. Uma moça que deixou parentes, amigos e sonhos pelo caminho. E em momentos como esse eu não consigo parar de pensar na dor da perda dos bens mais preciosos desse mundo: os amigos. Eles, que são a razão das nossas maiores alegrias, da nossa força e coragem, que estão sempre ao nosso lado, mesmo que não precisemos. Amigos irmãos, primos, de infância, de faculdade, amigos do trabalho. Amigos com muita afinidade e amigos com nada em comum, mas fiéis a tudo que passaram juntos. Amigos pais, mães, filhos, avós, tios, namorados, amigos. Eles são luzes em nossas vidas e o apagar de qualquer delas traz muita dor sobre o vazio que é a ausência dos sorrisos, das risadas, dos abraços, dos momentos inesquecíveis, dos apuros, do companheirismo, do carinho e amor incondicionais.

E é para esses seres, essenciais à existência de qualquer um, que quero dedicar esse texto. Aos meus amigos, razão da minha vida. E aos amigos deles também, e aos amigos destes e a todos os grandes amigos que eles tiverem.

À todos os amigos do mundo quero agradecer por serem tão companheiros, tão especiais e indispensáveis à alguém, incluindo aqueles amigos que já não existem mais, mas que marcaram sua presença nesse mundo por excelentes que foram e que teriam sido sempre.

E à todos aqueles que estarão em breve entre nós, eu quero desejar os melhores amigos que alguém pode ter, pois não há na vida, bem maior que este.


Aos que marcaram meu dia de hoje, sendo dois deles completamente desconhecidos, eu deixo aqui registrados meus sentimentos.

Adeus, Helena, querida amiga da Stephany.

Parabéns por mais um ano bem vivido, Luísa.

Seja bem-vindo ao mundo, João Vitor.


Ela

terça-feira, 20 de julho de 2010

Comunidade



Em uma típica manhã de verão carioca, daquelas que a pessoa só tem duas opções: ou vai à praia ou se mata devido ao desespero provocado pelo calor, um ônibus de uma dessas linhas que liga a Zona Norte a Zona Sul, é esse mesmo que está pensando, aquele que o ponto final causa arrepios nos mais “nobres” freqüentadores da praia, seguia abarrotado de pessoas que optaram por continuarem vivas no calor infernal. A viagem seguia nada confortável, dava até para sentir inveja das sardinhas em suas latas, compartilhavam-se os fluidos corporais e era impossível identificar se você estava suando ou se era apenas uma contribuição do companheiro ao lado.

O trânsito não contribuía e a infindável Av. Nossa Senhora de Copacabana dava nítida sensação de estar atravessando o estado da Bahia, a praia nunca chegava! 90% das pessoas pareciam pertencer a uma espécie de mundo diferente, falavam um dialeto próprio, trajavam roupas peculiares e levavam muitas sacolas, isopores e bolsas térmicas. Os outros 10%, apesar de representar a incontestável minoria, estavam visivelmente incomodados de dividir esse espaço com indivíduos tão peculiares, sentiam-se portadores dos padrões adequados e ultrajados pela violação das “normas” mais sensíveis da sociedade – esse bando de “favelados” – pensavam muitos!!!

Esses mal falados “favelados” vivem em uma organização social sujeneris a auto denominada “comunidade”. É uma espécie de corpo estranho à cidade e ao mesmo tempo inerente a sobrevivência da mesma, lá vivem aqueles a quem é negado o direito a cidade e que tanto incomodam (pelo jeito de falar, vestir, andar, pelo gosto musical, etc) àqueles que exercem e exigem privilégios da cidade.

Considerando que a esmagadora maioria da população do ônibus pertence a uma dessas comunidades podemos, pelos rigores estatísticos, usar essa recorrente cena cotidiana como uma espécie de teatro da vida citadina. Voltemos então ao coletivo. As pessoas pareciam fazer parte da mesma família, com algumas inconvenientes exceções, conversavam em voz alta com uma intimidade mútua. O filho de “uma”, que pedia biscoito, ia no colo da “outra” que gritou (aliás ela gritava sempre, mas nesse momento ela fez um esforço particular) e pediu para alguém do fundo do ônibus o “Trakinas” que prontamente Foi disponibilizado para a criança. Falavam gírias, aquelas abertamente ridicularizadas por pessoas que se acham especiais e detentoras do direito de classificar as pessoas pejorativamente pelo o que elas falam e vestem. Não demonstravam o menor incômodo em relação aos olhares enojados e arrogantes dirigidos a eles pela minoria arrogante, ao contrário, essa minoria é que parecia estar sendo desrespeitada e agredida por um bando que “não tem o mínimo de educação”.

Enquanto os “favelados“ pareciam fazer jus ao nome dado ao local onde vivem, relacionavam-se em uma espécie de comunhão na qual todos eram tratados nominalmente como se realmente a vida de “um” fosse a extensão da vida do “outro”. Os outros passageiros consideravam isso um ato de completa falta de civilidade, pois estas atitudes ferem a égide do individualismo em que vivemos, em que as relações são circunscritas a uma pequena dezena de pessoas. Esse estilo de vida espontâneo, solidário e cooperativo é coisa de favelado, civilizado é não conhecer ninguém do prédio aonde mora e negligenciar as necessidades mais proeminentes das pessoas ao seu redor, passando a vida achando que o mais importante é satisfazer as suas próprias necessidades.

Chegando ao ponto final, os “favelados” saem ansiosos em direção a praia e ignoram completamente os acontecimentos da viagem, já aquelas poucas pessoas tão incomodadas pelo incessante falatório e pelas gírias, logo que descem do ônibus iniciam uma conversa, na qual reclamam efusivamente dos demais ocupantes. Paradoxalmente, para estes últimos indivíduos que tanto abominam esse estilo de vida coletivo, que pouco se interessam pelas pessoas em sua volta, tem como prática corrente julgar e condenar comportamentos alheios. É assim, não se quer saber o que as pessoas são ou o que elas precisam, mas sim o que elas parecem e podem oferecer enquadradas dentro de um padrão arrogante de comportamento.


Ele

domingo, 11 de julho de 2010

Criança, a Alma do Negócio

No dia 08/07, quinta-feira, uma fortíssima dor de cabeça e mal estar me impediram de ir trabalhar. Ainda indisposta, aproveitei para fazer algo que eu não fazia há muito tempo: assistir desenho animado pela manhã. Pois é, nada melhor que isso quando se está doente, lembra aqueles dias maravilhosos em que minha mãe me deixava matar aula pra ficar o dia inteiro sem fazer nada de útil. Bons tempos. Mas o que me chamou realmente a atenção não foram os desenhos que já não são mais aqueles da minha época e sim um intervalo comercial específico em que nada mais nada menos do que quatro chamadas do Mc Donald's foram exibidas entre um bloco e outro de um desenho. Quatro chamadas estimulando crianças a comerem gordura para em troca ganhar um brinquedinho, ou melhor, a comerem gordura várias vezes e colecionarem o tal brinquedo.


Já é do conhecimento de todos que a propaganda não perdoa ninguém, que a intenção é vender a qualquer custo e que comerciais direcionados a crianças só serão exibidos nos horários que elas costumam assistir televisão, mas não parece absurdo como uma covardia dessas é permitida? Nós adultos muitos vezes já não temos discernimento diante de propagandas, imaginem as crianças que ainda são imaturas demais pra elas e por isso mesmo, absorvem tudo e as reproduzem de uma forma incrível.

No último dia 29, saiu uma nova resolução da Anvisa que obriga o alerta a saúde na publicidade de alimentos pobres em nutrientes. A resolução, embora sinalize um avanço, deixou a desejar pois excluiu a parte do texto que defendia as crianças da publicidade abusiva de alimentos, como a proibição da venda casada de brindes e alimentos prejudiciais a saúde, caracterizada como uma prática cruel. Por tanto, ainda que diante de uma evolução, estamos muito longe de que a justiça seja feita com relação à saúde infantil. Leia a notícia sobre o assunto no Yahoo! Notícias.

Pra quem se interessar pelo assunto eu recomendo também um documentário muito interessante, o Criança, a Alma do Negócio, que mostra o quanto, atualmente, a publicidade influencia a vida de crianças e adolescentes e o quanto a infância é cada vez mais encurtada no intuito de que os pequenos sejam transformados em consumidores o mais cedo possível. O filme é inacreditável , tem só 50 minutinhos e carrega super rápido, é só clicar AQUI e assistir. Muito útil para quem quiser refletir sobre o por quê nós permitimos que uma coisa dessas aconteça e por que não há uma luta maior para acabar com essa covardia que em prol única e exclusivamente do lucro, não respeita nem a saúde, nem a infância.


Ela

terça-feira, 6 de julho de 2010

A Última Tentação de Marx

Ao ler este pequeno texto fui surpreendido pela criatividade e perspicácia do autor, Armando Avena, ao tomar emprestada a personalidade de Marx para explicar as transformações ocorridas no capitalismo ao longo do século XX. Recomendo esta leitura rápida e prazerosa a todos e espero que ela lhes proporcione alguns minutos de reflexão. Deliciem-se com o texto!!!!

Foi um grande avanço
da ciência. Depois de exaustivos estudos, os cientistas encontraram a técnica de transposição no tempo e no espaço. Perplexo, o mundo inteiro parou para ver o primeiro homem que viria do passado para o presente. A escolha tinha sido difícil. Os filósofos queriam Platão, os religiosos exigiam que fosse Jesus, os militares preferiam Napoleão, mas as empresas transnacionais, que patrocinavam o evento, queriam Marx.

Era uma escolha emblemática. Karl Marx tinha sido o criador do socialismo, o homem que havia previsto o fim do sistema capitalista de produção e ninguém melhor do que ele para explicar por que suas previsões haviam falhado. Estava na hora de explicar o fiasco da União Soviética e de louvar o capitalismo e sua fantástica capacidade de perpetuação.

Como o processo de transposição no tempo permitia uma estada no futuro por apenas 48 horas, tudo foi planejado de modo que no primeiro dia, através de um moderno sistema de multimídia, Marx pudesse se inteirar do que havia ocorrido de importante no século XX, para que no dia seguinte respondesse, em rede mundial de televisão, às perguntas dos jornalistas do mundo inteiro.


A primeira reação de Marx, ao se ver materializado no futuro, foi de espanto e estupefação, mas gradualmente a mente privilegiada do pai do socialismo percebeu o que se passava e a extraordinária possibilidade de checar suas teorias. Aprendeu em minutos a manejar o computador e mergulhou de cabeça no conhecimento e na análise dos acontecimentos ocorridos depois de sua morte. Não dormiu um momento sequer e, no dia seguinte, quando se apresentou à indócil platéia de jornalistas, ainda tinha um ar estupefato mas parecia extremamente seguro, como se pudesse explicar tudo o que havia acontecido depois da sua morte.

Não demorou um segundo e uma pergunta partiu do fundo da sala, questionando o marxismo e sua aplicação na União Soviética e pedindo explicações para o fracasso do socialismo. E, então, urna voz tonitruante tomou conta do auditório e o velho Marx falou o que ninguém esperava ouvir:

- Se aquilo que implantaram na tal de União Soviética for marxismo, eu não sou marxista!

E começou a explicar que jamais admitiu a possibilidade de um país pobre e quase feudal, como a antiga Rússia, chegar ao socialismo. Segundo Marx, isso não poderia ocorrer porque o socialismo pressupunha um alto nível de desenvolvimento tecnológico e uma produção abundante. Não se poderia socializar a miséria, por isso a pátria do novo regime teria de ser obrigatoriamente uma sociedade opulenta. Lembrou que suas previsões indicavam a Inglaterra, o país mais desenvolvido de sua época, como o primeiro lugar onde ocorreria a revolução socialista. E que nunca passou por sua cabeça que a revolução pudesse ser feita em um país não-industrializado, através de uma esdrúxula aliança entre camponeses, proletários e a pequena burguesia.

Lembrou também que jamais aceitaria a tese do socialismo num só país ou num bloco de países. Isso não poderia acontecer pois ia de encontro à lógica do processo. Se a revolução acontecesse no país mais desenvolvido do planeta, a força dessa potência determinaria que os demais países seguissem a mesma linha e em breve todos seriam socialistas. Mas, se contra todas as evidências, a revolução ocorresse num país atrasado, as potências capitalistas nunca permitiriam que ela se expandisse; pelo contrário, estes países, até pela necessidade de sobrevivência, atuariam sempre como contra-revolucionários, lutando para destruir o socialismo.

- Essa história de socialismo num só país ou num bloco deles é coisa desse tal Lênin e desse outro, vade retro, Stalin. Quanto a mim, neste ou no outro mundo continuarei a ser internacionalista.

A expressão quase possessa daquele homem impressionou o auditório, mas não evitou que novas perguntas pipocassem por toda a sala. Uma delas foi incisiva e questionava as previsões de Marx, que garantiam que o socialismo se expandiria por todo o planeta. Alguém indagava, com visível ironia, sobre o que havia salvado o capitalismo da crise e da destruição que ele havia previsto.

- Fui eu, Marx, quem salvou o capitalismo!

Todos ficaram atônitos, alguns riram sem contudo esconder a perplexidade. Nesse momento, Marx fez seu mea culpa. Reconheceu que havia errado em muitas de suas previsões e que fora excessivamente evolucionista, acreditando numa tendência inexorável dos acontecimentos. Seu maior erro porém foi não ter previsto a incrível capacidade de adaptação do sistema capitalista. Se o sistema permanecesse o mesmo, se a exploração selvagem perdurasse, se os salários continuassem em níveis irrisórios seria inevitável à revolução e suas previsões se confirmariam. Mas, ao anunciar o fim do capitalismo, ele, Marx, dera uma alternativa aos trabalhadores, e a Revolução Russa, mesmo desvirtuando a essência teórica do marxismo, parecia demonstrar que esta esperança estava próxima. Para sobreviver, as classes dominantes tiveram que ceder alguns privilégios. O medo do comunismo fez o capitalismo mudar.

E o que se viu nos países ricos foram mudanças até certo ponto radicais, que melhoraram a vida dos trabalhadores, reduziram sua jornada de trabalho e aumentaram os salários acima dos níveis de subsistência. Como pensar em revolução, se o proletariado desses países recebe um salário digno, educação e saúde gratuita e até, suprema ironia para quem falava da necessidade de um exército de desempregados, seguro-deserrprego. Os países ricos provaram que era possível distribuir a renda sem mexer no sistema capitalista de produção.

De repente, um barulho infernal tomou conta da sala e, em coro, surgiu a indagação:


- Então, Marx mudou?

A resposta veio de imediato:

- Quem mudou não fui eu, foi o capitalismo!

E o velho pensador mostrou que o capitalismo moderno era completamente diferente daquele que ele havia analisado e que se pudesse novamente estudá-lo teria de reescrever O capital. Todavia, antes que algum incauto dissesse que ele era um vira-casaca, que estava elogiando o sistema, apressou-se em dizer que o novo capitalismo tinha tantos problemas quanto o anterior. Que o desemprego era a praga deste século, e que, se havia alguma justiça social nos países ricos, a miséria nos países pobres era tão grande quanto na sua época.

Um extraordinário burburinho tomou conta da sala, mas o silêncio foi total quando alguém se levantou e pediu uma declaração enfática de Marx contra a privatização das empresas estatais, afinal o pai do socialismo deveria ser favorável à estatização.

Qual o quê! Marx mostrou que não poderia ser a favor da ampliação do estado, pois sua teoria tinha como meta exatamente a extinção do estado, que sempre é cooptado pelas classes dominantes. A função da ditadura do proletariado era acabar com o estado burguês, e pavimentar o caminho para o comunismo, um sistema em que não haveria estado. Os soviéticos criaram um estado burocrático, que pouco tinha a ver com as idéias marxistas. Do ponto de vista marxista não havia defesa possível para a estatização.

Novamente gritos de protesto e uma pergunta ecoou por toda a sala:

- E o futuro? E o futuro?


Marx era um profeta incorrigível e mais uma vez caiu em tentação. Previu novamente a revolução. Mas alertou que o conflito não seria mais entre proletários e capitalistas, entre esquerda e direita. Estabeleceu que essas categorias estavam ultrapassadas e vaticinou que o drama do mundo moderno seria o confronto entre ricos e pobres. A dualidade entre a opulência dos países ricos e a miséria dos países pobres seria o estopim da nova revolução. Uma Europa cercada de fundamentalistas por todos os lados, hordas de miseráveis invadindo as grandes cidades e a maior potência do mundo invadida por milhares de mexicanos famintos. O auditório ficou em silêncio e o próprio Marx calou-se como que temeroso de sua profecia. Antes que a entrevista se encerrasse, uma frase ecoou no recinto:

- É, mesmo morto, o velho Marx continua brilhante.



Ele